Por Dom Hilário Moser, SDB
Eu tinha 10 anos e queria ser padre. Com essa pouca idade, fui morar na casa paroquial com os Salesianos de Rio dos Cedros (SC) que respondiam pela paróquia da minha terra.
Eram o P. Marcílio Lobo, paulista, pároco; P. João Delsale, gaúcho, vigário paroquial; e o Irmão Vicente Mola, italiano, sacristão e serviços gerais.
Eu ajudava como sabia e podia: era coroinha, tocava os sinos, servia à mesa, fazia de “office boy” para o que desse e viesse; em particular, cuidava das “conduções” dos padres: o cavalo do P. João e a mula do P. Marcílio...
Em redor da igreja era tudo verde; crescia uma graminha bonita e apetitosa; era ali que os dois animais pastavam.
A mula, mais “inteligente” que o cavalo, descobriu que na entrada da igreja havia duas pias de água benta.
Além de benta, a água era levemente salgada para não se corromper, como mandava a praxe.
A mula adorava aquela aguinha com sabor de sal, enxugava as pias; sentia-se feliz por matar a sede no templo do Senhor, sob o olhar complacente da Imaculada Conceição, padroeira da paróquia. Assim era.
Entretanto, por mais água benta que tenha bebido, ela nunca se tornou cristã...
A mula do P. Marcílio me faz pensar em certas pessoas que bebem da água viva que brota do coração de Cristo, nunca, porém, se tornam realmente cristãs.
Essa água viva é mais do que tudo, a vida divina que invade todo o nosso ser – corpo e alma – no momento do batismo.
A vida divina me faz um “pequeno deus”. Estou, porém, consciente disso?
Eis toda a questão: ter consciência, ser coerente, viver sabendo e querendo o que Deus quer de mim.
Há pessoas que, ao longo da vida, “bebem” abundantemente de tudo o que sabe e cheira a religião.
Pode-se dizer que vivem “bebendo água benta”, nunca, porém, se tornam realmente cristãs.
Por que será?
Antes de tudo, porque o batismo não tem incidência na vida delas.
Foi um acontecimento da infância que, aos poucos, se desfez nas brumas do tempo; dele sobrou – se sobrou – a lembrança que jaz amarelada no fundo de alguma gaveta, não penetrou, porém, no profundo do coração.
Hoje, haveria uma conversão geral em nossa Igreja – em nosso Brasil! -, se a multidão de batizados retomasse o caminho do próprio batismo e enveredasse pela estrada que leva ao centro do coração.
O que encontraria ali?
Encontraria todos os dons divinos que o batismo nos propicia: não são poucos, nem pequenos.
De fato, pelo batismo:
- É aniquilado em nós o pecado original.
- Vem morar em nosso corpo e em nossa alma a Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo.
- É infundida em nós a vida divina que nos torna filhos/as de Deus.
- Recebemos as virtudes da fé, esperança e caridade que permitem que entremos em comunhão com o próprio Deus.
- Recebemos também os dons do Espírito Santo que “divinizam” nossa inteligência, vontade e liberdade.
- Somos “enxertados” em Jesus Cristo ressuscitado e formamos com Ele um só Corpo, um só Povo de Deus, uma só Igreja: passamos a pertencer à comunidade dos discípulos/s de Jesus.
- É impresso em nós o “caráter”, isto é, a marca de nossa pertença a Cristo Senhor.
Tudo isto é obra do batismo.
Você está consciente disto?
Pensa nisto de vez em quando?
Procura viver coerentemente com toda essa realidade viva e divina que carrega em seu coração?
Toda a água divina que você “beber” ao longo da vida deve servir para viver a realidade do batismo, que é a vida divina.
Palavra de Deus, oração, eucaristia, reconciliação, devoção a Nossa Senhora, práticas religiosas..., tudo só tem sentido se for para viver como filho/a de Deus, produzindo as obras de Deus, amadurecendo os frutos do Espírito, particularmente o amor aos irmãos/as.
Percebe, então, que, para ser católico autêntico, não bastam práticas religiosas, por mais abundantes e bem feitas que sejam.
É preciso que elas se transformem em vida cristã concreta no caminhar de cada dia.
Todas essas coisas são meios para alcançar o objetivo maior, que é viver a mesma vida de Deus que, depois da morte, se expandirá na vida eterna gloriosa e feliz.
Bento XVI disse: “O nosso futuro é a vida eterna”.
Mas a vida eterna começa no batismo e deve ser vivida todos os dias.
Para alimentá-la é que “bebemos” da água viva que Jesus, por meio de sua Igreja e do Espírito Santo, nos oferece todos os dias.
Não faça como a mula do P. Marcílio; beba, sim, beba o mais que puder, mas esforce-se para ser, o mais que puder, cristão/a, filho/a de Deus, irmão/a de todos.
Faça do seu batismo seu ponto de partida, seu esforço de caminhada, sua meta de chegada. Então será um autêntico discípulo/a de Jesus, um autêntico membro da Igreja.
Não basta “beber água benta”!
Fonte: Blog de Dom Hilário
Foi bispo auxiliar de Olinda e Recife por três anos e meio, e bispo diocesano de Tubarão (SC) por 12 anos.
Hoje, é bispo emérito e procura evangelizar por meio deste blog. Difunda-o entre seus amigos/as, ajude a levar o Evangelho de Jesus por toda parte.
www.domhilario.com
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