"Opção" sexual ou determinismo cultural?
Anotações sobre a identidade sexual neurobiogenética e o conceito de identidade de gênero*
A cada dia que passa tem-se reforçado o conceito de que é necessário diferenciar o determinismo biológico sexual da identidade de gênero ou psicológica.
Para a compreensão do tema, iniciaremos com uma abordagem teleológica da vida, segundo a qual, cada coisa existe com finalidades específicas. Assim, partindo da natureza mais essencial do ser humano que é a sua vida biogenética, que dá suporte para tudo o mais, é necessário compreender que a definição do ser humano do ponto de vista biológico e cromossômico diferencia homem e mulher, segundo o tipo de cromossomos que compõe o respectivo genoma, No caso do genoma masculino, equivale a XY, e do genoma feminino, a XX. Assim, homens e mulheres são distintos desde o nascimento. A mulher produz estrógenos e progesterona, por conta disso, ovula, nascendo com número limitado de óvulos que vão sair de seus ovários ao longo de certo limite de idade de sua vida. Por sua vez, o homem produz testosterona, sendo capaz de produzir espermatozóides aos milhões ao longo de praticamente toda a sua vida. Assim, do ponto de vista biogenético, homens e mulheres possuem características específicas diferenciadas. Nasceram para ser diferentes, para cumprir papéis diferentes na vida. Nem por isso são biogeneticamente superiores ou inferiores. É a partir dessa visão biogenética que se constrói a sexualidade num ser uno, composto por aspectos biofísicos e psíquicos.
É interessante que há coincidência desses fundamentos biogenéticos com a narrativa bíblica da criação, que relata essa forma binária da constituição da natureza humana – foram criados homem e mulher, cada qual, com suas características próprias, por mais que tenham partido de um mesmo corpo e do mesmo Criador. É possível ainda considerar o tema do ponto de vista funcional. Neste caso, a natureza fornece elementos constitutivos que demonstram diferenciação entre homem e mulher na anatomia, fisiologia, biologia, bioquímica, histologia, comportamento, etc.
Além disso, a neurofisiologia nos ensina que o cérebro masculino e o feminino apresentam diferenças
anatômicas e funcionais que a ciência está começando a identificar e entender com mais detalhes. Para ilustrar, é possível citar o funcionamento do hipotálamo, que é diferente na mulher e no homem. Enquanto que o hipotálamo feminino regula um ciclo de produção hormonal pela hipófise, levando à alternância de ciclos de produção de hormônio luteinizante (LH) e hormônio folículo estimulante (FSH), que por sua vez levarão os ovários da mulher a produzir ciclos de estrógeno e progesterona, que resultam na ovulação e menstruação, o mesmo não ocorre no homem, que vive em contínua monotonia hipotalâmica, hormonal e comportamental, no que se refere ao ciclo reprodutivo. Assim, o ser humano masculino está sempre preparado e disposto para a atividade reprodutiva, enquanto a mulher obedece a um ciclo, inconscientemente, controlado pelo cérebro.
É necessário ainda citar que a ciência não possui estudos comprovados e representativos que demonstrem alguma alteração morfofuncional cerebral que seja determinística, desde o seu nascimento, naqueles que dizem ter tendência ou comportamento homossexual.
O que se pretende atualmente é legitimar o conceito de que a identidade psicológica de gênero seja diferente da identidade neurogenética do indivíduo, portanto, se o desejo do indivíduo for de não aceitar a sua condição e predisposição neurobiogenética, tem o direito à “opção sexual” e escolher o que melhor for para si em termos de gênero. O que se pretende com a legitimação da homossexualidade é que a pessoa não necessita se submeter a esse estabelecimento e predisposição neurobiogenética.
Defende-se ainda que a dinâmica e evolução cultural e antropológica abriram a possibilidade da diferenciação entre a morfologia sexual e a identidade psíquica da pessoa com aquele gênero. Ou seja, argumenta-se que pode haver uma contradição entre a predisposição física e o gênero sexual ou sexo psíquico de preferência do indivíduo, de modo que nem sempre a morfologia sexual poderá coincidir com a identidade de gênero desejado pelo indivíduo.
Entendo que essas abordagens, tanto a da escolha individual quanto a da cultural e antropológica, são provenientes da legitimação do núcleo da Pós-modernidade em que a fonte de verdade está no indivíduo e sua subjetividade, isto é, não há mais necessidade que o indivíduo busque legitimação de seus atos fora de si (heteronomia), mas ele próprio tem o direito de fazer suas escolhas a partir do que entende, sente ou acha que seja o melhor para sua vida (autonomia).
Assim, escolher gênero sexual (sexo psíquico) diferente de sua morfologia sexual (sexo neurobiogenético) passou a ser justificável e legitimado. Recentemente, li um artigo escrito por Leandro Colling intitulado "Desnaturalização da heterossexualidade", que procura defender a tese da coação cultural da heterossexualidade como se o comportamento heterossexual fosse resultado de uma imposição cultural.
O argumento do artigo de Colling deixa de considerar os aspectos científicos elementares citados há pouco, que é a constituição neurobiogenética e a funcionalidade diferencial que se tornam fatores fundantes e identitários da pessoa.
Como dizíamos, o homem tem uma constituição genética e neurológica (entre outras) diferente da mulher e vice-versa. Então, a identidade de gênero, como tem sido defendida, acaba reduzida a um recurso artificial que é utilizado para se tentar legitimar, pela dinâmica ou evolução cultural, a contradição entre identidade de gênero e sexo neurobiogenético. Nesse caso, a pessoa pode ser psicologicamente uma coisa e neurologicamente outra. Metaforicamente falando, não seria isso uma espécie de esquizofrenia? Um fissuramento na natureza intrínseca do ser, como se fossem dois seres numa só pessoa, um ser neurobiogenético com uma constituição de natureza e um ser psicológico e culturalmente diferente? A prática tem demonstrado que homoafetivos, nesse tipo de fissuramento, acabam buscando soluções em direção da modificação morfológica de seus corpos (retirada de pênis, construção de mamas, etc.) em busca de solucionar a concepção cindida de sua vida.
Por outro lado, quando se busca utilizar as razões culturais acima citadas para justificar a homossexualidade, tem-se a impressão de que quem opta pela homoafetividade é superior ao heterossexual, pelo fato de não ter se submetido ao que é considerado determinismo cultural que impõe a heterossexualidade, como se a sexualidade dependesse exclusivamente da dinâmica e fluidez cultural. Portanto, essa abordagem é um antropocentrismo ou culturalismo que desconsidera a essência e a natureza científica humana, em termos de sua constituição neurobiogenética.
É ainda curioso notar que, mesmo estabelecendo uma união estável, os pares homoafetivos continuam se chamando de "casal" e, aliás, normalmente, nesse tipo de "casal" há o que cumpre o papel de “macho” e o que cumpre o papel de “fêmea”, mantendo, assim, a concepção matricial heterossexual, dando até a entender que a heterossexualidade seja um arquétipo, uma matriz fundante e constitutiva da essência da humanidade, de modo a deslegitimar a diferenciação da identidade de gênero da identidade neurobiogenética. Em outras palavras, a defesa, nestes termos, da homoafetividade acaba resultando numa situação que a deslegitima.
Para compreensão mais profunda do tema, torna-se necessário considerar a natureza humana como foi constituída em termos neurobiogenéticos, que fixa a natureza de cada um, não havendo espaço para se cindir o ser humano em neurobiogenético e psíquico/cultural, sob pena de se gerar graves e profundos distúrbios para a vida, para a sociedade e para a história humana.
Portanto, a sexualidade está tão ligada à nossa natureza neurobiogenética, que não se pode desconectar simplesmente o lado neurobiogenético do psíquico, em nome de um referencial cultural subjetivo e antropocêntrico que é capaz de abrir um precedente para que qualquer um tenha o direito de ter uma identidade de gênero diferente de sua identidade neurobiogenética. Se os padrões culturais de "normalidade" (no Direito, chamada de "consenso gentium") forem tomados como legitimadores das decisões e ações humanas, onde vamos chegar? Então, será que se amanhã a pedofilia se tornar culturalmente "normal" ou aceitável, vamos ter de aceitá-la?
* A primeira versão deste texto foi publicada em O Jornal Batista, 10/02/2013, revisado para a presente publicação.
** Lourenço Stelio Rega é Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia (especialização em Ética), pós-graduado em Administração de Empresas (núcleo de Análise de Sistemas), Licenciando em Filosofia, Mestre em Educação (especialização em História da Educação) e Doutor em Ciências da Religião. É Diretor e professor de Ética, Bioética e Filosofia da Religião da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
Fonte: http://batistas.org/ArtigosDocs/artigos-etica.html
Fonte: http://batistas.org/ArtigosDocs/artigos-etica.html
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