Pr. João Soares da Fonseca
Um missionário morreu de fome na Argentina. Foi há muito tempo; precisamente em 1851. Chamava-se Allen Francis Gardiner.
Gardiner era inglês. Mas abandonou a Marinha Real, onde era capitão, e foi ser missionário. Com outros seis voluntários, dirigiu-se a um lugar chamado Banner Cove, na Tierra Del Fuego, no extremo sul da Argentina. Na embarcação deles havia suprimento para uns seis meses. Os índios da região, porém, eram dos mais ferozes. Tão ferozes que deles escreveu o hoje famoso Charles Darwin: "Dificilmente alguém poderia crer que fossem criaturas humanas".
Os índios expulsaram Gardiner e o grupo dos domínios de Banner Cove. O grupo saiu para o mar, refugiando-se em Spanish Harbor. Foram feitos contatos com a Inglaterra para que o grupo recebesse suprimento. Mas o suprimento nunca chegava. Um por um, os companheiros de Gardinerforam morrendo. Ele morreu por último. Mas em seu diário, pela última vez, no dia 6 de setembro de 1851, Gardiner escreveu: "Grandes e maravilhosas são as benevolências de meu gracioso Deus para comigo. Não sinto fome nem sede, embora esteja há cinco dias sem comida".
O navio com suprimento só chegou ao lugar, quatro meses depois. E, claro, só encontrou os cadáveres e o diário.
O testemunho de Gardiner me deixou intrigado: como é que alguém está morrendo de fome e ainda assim chama Deus de "gracioso"? Como é que alguém privado de tudo pode dizer que as benevolências de Deus são "grandes e maravilhosas"?
A única resposta é: depende do tipo de cristianismo que se está vivendo. Criou-se hoje um clone do cristianismo, um arremedo de religião, que é superficial e puramente interessado em coisas. É uma devoção em que o devoto se aproxima de Deus para explorá-lo, para pedir, para mendigar, às vezes para exigir, bênçãos materiais. Isso poderia até paradoxalmente ser chamado materialismo religioso.
Há, porém, uma outra religião: a que faz o crente se aproximar de Deus, não importando se Deus vai lhe dar as coisas ou não. Para esses, Deus em si JÁ É o bem supremo. Com ou sem bens materiais, essas pessoas se alegram em Deus. E juntam suas vozes à de Habacuque: "Ainda que as figueiras não produzam frutas, e as parreiras não dêem uvas; ainda que não haja azeitonas para apanhar nem trigo para colher; ainda que não haja mais ovelhas nos campos nem gado nos currais, mesmo assim eu darei graças ao Senhor..." (Hc 3.17,18 - NTLH).
Agora, francamente me diga uma coisa: o que foi feito da religião de Gardiner e Habacuque?
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