sexta-feira, 30 de março de 2018

A morte de um pastor e o digno salário do obreiro


Em agosto de 2002, escrevi a crônica abaixo. O Jornal Batista publicou na edição nº 34, datada de 19 a 25/08/02, página 5. Veja foto no final do texto.


Uma informação chamou-nos atenção na Assembléia Convencional em Nova Iguaçu: orar pela família de um pastor que morrera assassinado na noite anterior. No outro dia, os jornais estampavam: “Roberto Pereira Moledo, 47 anos, pastor da Igreja Batista no Bairro Pilar, em Duque de Caxias, foi assassinado com 3 tiros nas costas e 1 no rosto”.

Morrer assassinado neste violento mundo pode ser a experiência dolorosa de qualquer pessoa, até de um pastor. O que marca é que esse pastor era taxista e, às 21h e 45min, estava trabalhando para sobreviver e sustentar a esposa e os filhos. O que marca é que esse pastor morreu num período em que os batistas fluminenses estavam reunidos e ele não podia porque dependia dos recursos de uma corrida aqui e ali na explosiva baixada fluminense. O que marca é que, agora, uma esposa e filhos estão sem o esposo e pai e como entender que era pastor e precisava trabalhar numa atividade tão perigosa, usando o carro, quando vários podem desfilar com luxuosos e, alguns, com mais de um na garagem.

Sabemos que, como batistas, não somos responsáveis pela morte de pastor. Mas somos responsáveis pela falta de plano que valorize o ministério pastoral batista de forma mais justa. Somos responsáveis pela falta de critérios na organização de igrejas que não podem, sequer, solicitar que seus pastores tenham atividades menos perigosas. Somos responsáveis pela má distribuição de recursos que, em vários setores, se gasta mais com estrutura do que com gente e com a apoio a igrejas que precisam alavancar seu trabalho. Somos responsáveis quando permitimos que alguns executivos ou funcionários ganhem um baita salário, alguns com despesas diversas pagas, e um pastor precisa varar a noite para ganhar um pouco mais. Somos responsáveis quando aprovamos um orçamento que não atende, com um mínimo que seja, situações desse porte.

É possível que sejamos tentados a pensar que esse pastor estava assim por uma série de razões. Estas servem para justificar nossa inoperância. Certamente era um desintegrado, homem sem fé, igreja sem compromisso com a denominação, coisas desse tipo, diriam alguns. Pois bem, fui conferir e descobri que, no ano passado, de 12 meses, sua igreja contribuiu com 8 parcelas. Estava na média das maiores contribuições, proporcionalmente falando, verificadas nos relatórios.

Pode parecer que escrevemos com algum tipo de recalque. Engana-se quem pensa assim. Tenho sido assistido pela igreja que, há 13 anos, tenho a honra e o privilégio de pastorear. Sinceramente, o que ganho não dá para sobrar, mas, também, não falta para as necessidades básicas. Lembrando Pr. Mauro Israel Moreira, “é um luxo”. Lembrando Pr. Irland Pereira de Azevedo, que citava Pr. José de Miranda Pinto, “dinheiro de pastor, se sobrar, estraga”. O que faço aqui não é um atirar de lama em pessoas que administram nossa estrutura, até porque dela também participo. O que pretendo é não permitir que um fato tão dramático passe despercebido e não tiremos lições dele. Um pastor morreu! Morreu, não! Foi assassinado! Foi assassinado simplesmente, não! Estava trabalhando como taxista de noite numa área extremamente violenta porque não tinha condições de viver do ministério. Que faremos?!

É bom lembrar que, dentre os vários pastores que morreram este ano, três foram motivos de aplausos aqui e ali: João Filson Soren, João Teixeira de Lima e Mauro Israel Moreira. Em dimensões diferentes, foram destaques em revistas, jornais e outras mídias. E Roberto Pereira Moledo? Este foi notícia nas páginas policiais. Não se tratava de um desonesto, trambiqueiro, trapaceiro, namorador e coisas desse tipo. Era um trabalhador pastor ou um pastor que precisava trabalhar em outra atividade para se sustentar e à família. Ele está no céu e não sofre mais as lutas desta vida, mas nossa história ficou manchada. Mas, que faremos nós? Ficaremos calados? Protestaremos junto às autoridades sobre a violência no Rio de Janeiro? Escreveremos artigos argumentando que o ministério exige tempo integral? É possível que pensemos em tudo isso, menos em assumir os erros de uma estrutura incapaz de atender situações como essa!

Que a morte desse pastor batista não fique esquecida, mas nos faça refletir!




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