A maior arquibancada do Brasil
Pr. Adenauer Pereira Sampaio*
Cresci ouvindo que o brasileiro é um povo pacífico. Não como sinônimo de pacifista (aquele que evita o confronto), mas sim significando “conformado”. Aquele povo que, como diriam os antigos romanos, não criaria problemas se lhe fosse fornecido pão e circo. Um povo que se contentava com futebol, cerveja, novela e carnaval.
Admirava alguns povos estrangeiros que, sabedores do poder que detinham e de que eram a causa de existência de seus respectivos Estados (e não o oposto), iam para as ruas reivindicar o que entendiam correto. Sentia até uma certa ponta de “inveja” de nossos vizinhos argentinos, que vez por outra tomavam as praças e ruas portenhas com os famosos panelaços.
Pensei que minha geração passaria sem ver o “gigante acordar” e, mais que isso, sem perceber que integra esse “gigante”.
Algo parecido ocorreu somente por ocasião das “Diretas Já” - Emenda Dante de Oliveira. Naquela ocasião o povo foi às ruas com vontade e sem o apoio da mídia. Só mais tarde (como sempre) a Rede Globo veio a noticiar o movimento, porque já não tinha como esconder. Mas, nascido em 1972, eu era muito novo... quase nada entendia do que estava acontecendo. Assisti, mas não vivi aquele momento.
Nem mesmo na época dos “caras pintadas”, no início dos anos 90, as manifestações representaram uma forma efetiva e pura de pronunciamento popular. Dizem que eles “tiraram um presidente” do poder, mas sabemos que não foi bem assim. O movimento foi insuflado pela grande mídia (leia-se Globo e outros) e só resultou no “impeachment” de Collor porque este não tinha uma base sólida de apoio político no Congresso. Ele se isolou e pagou o preço por isso. Basta ver que escândalos muito piores foram as negociatas para aprovação da reeleição no governo Fernando Henrique e a instalação do perverso sistema do “Mensalão” no governo Lula, sem que a população se manifestasse a respeito.
Houve uma sucessão de escândalos, em todos os níveis de governo. Eram tantos que mal um era comentado e surgia outro, ainda pior. A corrupção tornou-se uma instituição, uma endemia. Não significava mais uma percentagem da obra, ela passou a custar duas, três vezes o valor da própria obra (vide obras do Pan-2007, Cidade da Música etc). O estádio Engenhão, por exemplo, foi orçado inicialmente em R$ 60 milhões; com a mudança de projeto o orçamento chegou a R$ 87 milhões, mas a obra custou nada menos que R$ 380 milhões... o orçamento estourou em “apenas” mais de 424%, numa construção tão bem feita que apenas cinco anos depois precisou ser interditada porque havia o risco de desabamento da cobertura. O “gigante”, porém, dormia, “deitado eternamente em berço esplêndido”...
Então, felizmente, o “gigante” despertou e, atendendo à música do comercial da montadora de veículos, foi pra rua, que é “a maior arquibancada do Brasil”. O povo tomou para si a responsabilidade pela moralização do país, afinal, como dispõe a Carta Magna, “todo poder emana do povo”. O povo mesmo, de verdade, puro, sem cores partidárias, sem o alavancamento promovido por grandes grupos econômicos... apenas o povo.
Alguns ainda tentaram ignorar as manifestações, outros optaram por associá-las a atos de vandalismo e violência (praticados por um minúsculo subgrupo dentre os manifestantes), mas por fim até mesmo os críticos mais ácidos do início acabaram por reconhecer a autenticidade e legitimidade dessa manifestação de insatisfação popular. Afinal, o “sol da Liberdade, em raios fúlgidos, brilhou no céu da Pátria nesse instante”.
As consequências dessas manifestações estão muito além da mera revogação de reajustes nas tarifas de transportes públicos que “conseguimos conquistar com braço forte”. Elas significam que o povo decidiu não mais aceitar calado os desmandos dos governantes; significam que política não se faz de cima pra baixo; significam que a grande imprensa pode, a seu bel prazer, continuar vendida aos poderosos, porque ela perdeu força para as redes sociais, a verdadeira e definitiva redemocratização dos meios de comunicação.
É hora de repensar o país que deixaremos para próxima geração. Será que não é hora, por exemplo, de acabar com as polícias militares (conforme a recomendação da ONU). Afinal, em que outro país democrático do mundo há polícia militar “cuidando” de civis? O policiamento ostensivo, ainda que uniformizado, pode e deve ser feito por uma polícia civil, sem o ranço do militarismo, como ocorre no resto do mundo. Registre-se que estávamos tão na contramão da história, que havia uma tentativa de “militarizar” comportamentalmente, ainda que de forma oficiosa, as guardas civis dos municípios (quase sempre chefiadas por um oficial da polícia militar), ao ponto desses profissionais chamarem o seu uniforme de farda e se considerarem “militares”, procurando em tudo copiá-los, inclusive na abundância da truculência (quem já não viu as cenas de camelôs sendo tratados como perigosos bandidos pela guarda municipal do Rio de Janeiro? Comportamento esse repetido em diversos municípios do país).
Ainda há muito a ser conquistado. Mas o primeiro passo foi dado e os outros virão naturalmente. Construiremos um pais melhor, mais justo, mais democrático e mais solidário, não nos cansando de dizer em alta voz: “Verás que o filho teu não foge à luta”. A partida está só começando, e o povo já lota as ruas, “a maior arquibancada do Brasil”.
*Pastor na Igreja Batista do Braga
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