Lourenço Stelio Rega[2]
Dentro de
mais alguns dias estarei completando 37 anos de ministério pastoral batista.
Lembro-me com saudades dos primeiros tempos, ainda jovem, ao ver colegas
pastores envolvidos com alegria e muita esperança no ministério. Não é este o
cenário que hoje tenho assistido. Tanto eu como minha esposa, como psicóloga,
temos acompanhado e buscado apoiar pastores e esposas quando somos procurados
e, a cada dia, estamos ficando mais preocupados com a redução da alegria, da
auto realização e esperança que temos notado na vida de muitos pastores e
esposas.
Levantamentos
de dados que fiz entre pastores batistas em nível nacional em 2000 e depois em
2011, já publicados aqui em O Jornal Batista, demonstram (com destaque para
2011) que:
- 13% indicaram que o
exercício do pastorado empobreceu a sua vida familiar;
- 65% indicaram se sentirem
incapazes para o exercício do ministério;
- 30% sentem mais
inferiorizados hoje do que no passado e que se pudessem voltar atrás mudariam
muita coisa na vida e ministério;
- 28% não tem desenvolvido
uma perspectiva de vida para daqui a cinco anos;
- 70% não estão contentes
com o tempo que investe na vida devocional;
- 74% (62% em 2000) não têm
culto doméstico regularmente em seu lar;
- 75% não estão satisfeitos
com a autodisciplina no uso do tempo.
Um retrato com este cenário nos
oferece algumas indicações:
- O senso de empobrecimento
numa atividade de trabalho pode indicar a perda de sentido em objetivos da
vida de modo que o empenho e criatividade fiquem prejudicados e isso cria
um círculo vicioso com graves consequências futuras. Tanto que o sentido
de inferiorização ministerial e o desejo de mudar muita coisa na vida e
ministério apontam 30% e a redução de perspectiva de vida em cinco anos
28% e, ainda mais, o sentido de incapacidade para o exercício do
ministério chegou a 65%;
- O investimento na vida
devocional e a autodisciplina na natureza de trabalho pastoral são
fundamentais. Para falar de Deus é necessário falar com Deus em primeiro
lugar. Como desenvolver o ministério da pregação, do ensino, do
aconselhamento – naturais na atividade pastoral – sem, contudo ter
dedicada vida devocional? A indicação de 70% neste item é preocupante,
pois reflete diretamente nas atividades nobres do pastoreio. Sem púlpito,
atuação no aconselhamento e ensino enriquecidos, como alimentar o povo? O
que estariam fazendo estes colegas no ministério se não dedicam tempo para
falar com Deus? Estariam tão ocupados com os afazeres pragmáticos da
igreja? Isso sem falar na autodisciplina que indica carência na gestão do
tempo. Tudo isso que produz frustração e tédio. Terminado o dia a pessoa
se sente frustrada e inútil, com elevado senso de culpa.
- O aumento do índice da
ausência regular do culto doméstico no lar pastoral de 62% (2000) para 75%
(2011) pode indicar que a ocupação ministerial é de tal envergadura que o
pastor não esteja cuidando adequadamente de sua família, seu primeiro
rebanho. Aliás, Paulo a Tito e Timóteo adverte que quem não cuida de sua
casa não deve cuidar do rebanho de Deus. A tristeza na vida de filhos e
esposas de pastores já tem sido notada por diversos líderes mais
experientes. Minha esposa, que é psicóloga, tem trabalhado com esposas de
pastores e notado a decepção que muitas delas possuem com o ministério,
com a igreja e até com o próprio esposo pastor. Isso ainda sem contar com
os desastres matrimoniais que a cada dia aumentam na vida de muitos
pastores, com envolvimentos fora do casamento ou mesmo com matrimônios
frustrados.
O que posso dizer diante de um
cenário tão preocupante como este? Sinto que nossos queridos colegas têm feito
o máximo, dentro de cada limitação, para atender as demandas do ministério
pastoral. As atividades eclesiásticas a cada dia aumentam e nem sempre os
pastores conseguem dar conta, até mesmo por causa das novas demandas, das novas
exigências culturais e de gestão de uma igreja. Não há tempo e nem sempre
recursos para recapacitação e atualização ministerial, bíblica, teológica.
O que podemos fazer para ajudar
os pastores que vivem estes dilemas?
- A Ordem de Pastores e suas
seccionais necessitam com extrema urgência rever suas prioridades e
agendas de estudos e atendimento, considerando estes cenários. No momento
estou profundamente decepcionado, em especial aqui no Estado de São Paulo,
com colegas açoitando literalmente a Seccional por conta de discussões
sobre ordenação feminina, enquanto que nenhuma mulher aqui está
interessada em ingressar como pastora na Ordem. Até pastores que falam na
sacralidade matrimonial ficam estimulando este tema. Enquanto isso, o
sofrimento e os desastres ministeriais continuam.
- Os seminários e faculdades
teológicas necessitam criar oportunidades de capacitação, atualização e
recapacitação continuada para pastores em temas não apenas teológicos e
bíblicos, mas também no trato dos dilemas pastorais, pessoais matrimoniais
e familiares. Aqui na Teológica de São Paulo temos tido boas experiências
especialmente com cursos ministrados pelo Dr. Irland Pereira de Azevedo
nesta área;
- Pastores necessitam ser
pastoreados. Então, a Ordem de Pastores, Seminários/Faculdades, Convenções
poderiam promover com urgência atendimento a pastores na área de
aconselhamento pessoal, matrimonial, familiar e psicológico. A pesquisa mencionada
revelou também o reduzido número de amigos de verdade que normalmente
pastores possuem. Como sobreviver a tanta pressão sem poder conversar com
alguém, sem pedir conselho a alguém mais experiente?
[1]
Publicado em O Jornal Batsta, no dia 08/06/2014, nº 23.
[2]
Lourenço Stelio Rega é Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia (especialização
em Ética), pós-graduado em Administração de Empresas (núcleo de Análise de
Sistemas), Licenciando em Filosofia, Mestre em Educação (especialização em
História da Educação) e Doutor em Ciências da Religião. É Diretor e professor
de Ética, Bioética e Filosofia da Religião da Faculdade Teológica Batista de
São Paulo.
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