sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Sou pastor, socorro me ajudem!!![1]

    Lourenço Stelio Rega[2]

            Dentro de mais alguns dias estarei completando 37 anos de ministério pastoral batista. Lembro-me com saudades dos primeiros tempos, ainda jovem, ao ver colegas pastores envolvidos com alegria e muita esperança no ministério. Não é este o cenário que hoje tenho assistido. Tanto eu como minha esposa, como psicóloga, temos acompanhado e buscado apoiar pastores e esposas quando somos procurados e, a cada dia, estamos ficando mais preocupados com a redução da alegria, da auto realização e esperança que temos notado na vida de muitos pastores e esposas.
            Levantamentos de dados que fiz entre pastores batistas em nível nacional em 2000 e depois em 2011, já publicados aqui em O Jornal Batista, demonstram (com destaque para 2011) que:
  • 13% indicaram que o exercício do pastorado empobreceu a sua vida familiar;
  • 65% indicaram se sentirem incapazes para o exercício do ministério;
  • 30% sentem mais inferiorizados hoje do que no passado e que se pudessem voltar atrás mudariam muita coisa na vida e ministério;
  • 28% não tem desenvolvido uma perspectiva de vida para daqui a cinco anos;
  • 70% não estão contentes com o tempo que investe na vida devocional;
  • 74% (62% em 2000) não têm culto doméstico regularmente em seu lar;
  • 75% não estão satisfeitos com a autodisciplina no uso do tempo.
Um retrato com este cenário nos oferece algumas indicações:
  • O senso de empobrecimento numa atividade de trabalho pode indicar a perda de sentido em objetivos da vida de modo que o empenho e criatividade fiquem prejudicados e isso cria um círculo vicioso com graves consequências futuras. Tanto que o sentido de inferiorização ministerial e o desejo de mudar muita coisa na vida e ministério apontam 30% e a redução de perspectiva de vida em cinco anos 28% e, ainda mais, o sentido de incapacidade para o exercício do ministério chegou a 65%;
  • O investimento na vida devocional e a autodisciplina na natureza de trabalho pastoral são fundamentais. Para falar de Deus é necessário falar com Deus em primeiro lugar. Como desenvolver o ministério da pregação, do ensino, do aconselhamento – naturais na atividade pastoral – sem, contudo ter dedicada vida devocional? A indicação de 70% neste item é preocupante, pois reflete diretamente nas atividades nobres do pastoreio. Sem púlpito, atuação no aconselhamento e ensino enriquecidos, como alimentar o povo? O que estariam fazendo estes colegas no ministério se não dedicam tempo para falar com Deus? Estariam tão ocupados com os afazeres pragmáticos da igreja? Isso sem falar na autodisciplina que indica carência na gestão do tempo. Tudo isso que produz frustração e tédio. Terminado o dia a pessoa se sente frustrada e inútil, com elevado senso de culpa.
  • O aumento do índice da ausência regular do culto doméstico no lar pastoral de 62% (2000) para 75% (2011) pode indicar que a ocupação ministerial é de tal envergadura que o pastor não esteja cuidando adequadamente de sua família, seu primeiro rebanho. Aliás, Paulo a Tito e Timóteo adverte que quem não cuida de sua casa não deve cuidar do rebanho de Deus. A tristeza na vida de filhos e esposas de pastores já tem sido notada por diversos líderes mais experientes. Minha esposa, que é psicóloga, tem trabalhado com esposas de pastores e notado a decepção que muitas delas possuem com o ministério, com a igreja e até com o próprio esposo pastor. Isso ainda sem contar com os desastres matrimoniais que a cada dia aumentam na vida de muitos pastores, com envolvimentos fora do casamento ou mesmo com matrimônios frustrados.

O que posso dizer diante de um cenário tão preocupante como este? Sinto que nossos queridos colegas têm feito o máximo, dentro de cada limitação, para atender as demandas do ministério pastoral. As atividades eclesiásticas a cada dia aumentam e nem sempre os pastores conseguem dar conta, até mesmo por causa das novas demandas, das novas exigências culturais e de gestão de uma igreja. Não há tempo e nem sempre recursos para recapacitação e atualização ministerial, bíblica, teológica.
O que podemos fazer para ajudar os pastores que vivem estes dilemas?
  • A Ordem de Pastores e suas seccionais necessitam com extrema urgência rever suas prioridades e agendas de estudos e atendimento, considerando estes cenários. No momento estou profundamente decepcionado, em especial aqui no Estado de São Paulo, com colegas açoitando literalmente a Seccional por conta de discussões sobre ordenação feminina, enquanto que nenhuma mulher aqui está interessada em ingressar como pastora na Ordem. Até pastores que falam na sacralidade matrimonial ficam estimulando este tema. Enquanto isso, o sofrimento e os desastres ministeriais continuam.
  • Os seminários e faculdades teológicas necessitam criar oportunidades de capacitação, atualização e recapacitação continuada para pastores em temas não apenas teológicos e bíblicos, mas também no trato dos dilemas pastorais, pessoais matrimoniais e familiares. Aqui na Teológica de São Paulo temos tido boas experiências especialmente com cursos ministrados pelo Dr. Irland Pereira de Azevedo nesta área;
  • Pastores necessitam ser pastoreados. Então, a Ordem de Pastores, Seminários/Faculdades, Convenções poderiam promover com urgência atendimento a pastores na área de aconselhamento pessoal, matrimonial, familiar e psicológico. A pesquisa mencionada revelou também o reduzido número de amigos de verdade que normalmente pastores possuem. Como sobreviver a tanta pressão sem poder conversar com alguém, sem pedir conselho a alguém mais experiente?

Tenho trabalhado em educação teológica e ministerial há quase 40 anos porque acredito que é possível sempre formar novas gerações com novas esperanças. Quase que semanalmente digo aos meus alunos que tenho esperança neles e que poderão investir no ministério, investir no pastoreio de vidas e valorizar isto. Espero que consigamos sobreviver!!!


[1] Publicado em O Jornal Batsta, no dia 08/06/2014, nº 23.
[2] Lourenço Stelio Rega é Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia (especialização em Ética), pós-graduado em Administração de Empresas (núcleo de Análise de Sistemas), Licenciando em Filosofia, Mestre em Educação (especialização em História da Educação) e Doutor em Ciências da Religião. É Diretor e professor de Ética, Bioética e Filosofia da Religião da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.

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