Lição 6 - A justificação pela fé
Texto bíblico: Gálatas 2.15-21
Nesta lição, abordamos também uma luta pela obtenção da justiça. Mas, nos escritos de Paulo, tal conceito extrapola o campo dos direitos civis e da justiça político-social, para tornar-se uma questão espiritual: quais as condições para que o pecador possa, diante de Deus, ser declarado inocente de seus pecados? E mais: quem vai emitir o “cheque” da justiça em uma sociedade impenitente e governada pelo pecado?
O erro judaico
Em Gálatas, Paulo refere-se a si mesmo e a Pedro como “judeus por natureza” (Gl 2.15a), isto é, descendentes de Abraão. Tal origem étnica sempre foi algo louvável para Paulo (Fp 3.5; At 26.4,5).
Paulo sempre preservou os costumes de sua nação, a fim de manter aberta a porta da evangelização aos seus patrícios (1Co 9.20a). Na carta aos Romanos, inclusive, chegou a defender a relevância nacional de Israel, por meio do qual Deus concedeu ao mundo a adoção, a glória, as alianças, a legislação, o culto e suas promessas (Rm 9.4).
Entretanto, no que se refere à justiça exigida por Deus, os escritos de Paulo seguem na contramão do judaísmo. Paulo denomina os judeus como aqueles que vivem sob o regime da lei (1Co 9.20b), isto é, pessoas que acreditam poder alcançar a retidão por seus próprios méritos, pela obediência estrita da lei de Moisés. De acordo com esses critérios, o caminho para a justiça constitui-se de inúmeros credos, ritos, tradições e leis. Esse é o conceito conhecido como autojustificação, uma forma de religião na qual o homem é o emissor do “cheque”. O capital dessa transação são as boas obras.
Esse jeito legalista de ser produziu, entre outros comportamentos reprováveis, as ações seguintes:
● um tribunal de execução e de perseguição, vitimando Cristo, os profetas e os apóstolos (1Ts 2.15);
● uma atitude de oposição ao avanço do evangelho entre os não judeus (1Ts 2.16);
● uma religião hipócrita, que negligenciava os preceitos mais importantes da lei (Mt 23.23b).
O erro judaico, por incrível que pareça, foi viver uma religião vazia de Deus. Quanto mais se apegavam ao legalismo e às suas exigências mais afastavam-se do Senhor (Mt 5.20; Rm 10.2,3). O problema desse modo judaico de ver o mundo é que ele tem dois pesos e duas medidas. Os judeus não se enxergavam como pecadores. Reservavam esse estereótipo aos demais. Segundo essa perspectiva, os gentios não tinham a mínima chance de justiça, estando fora do círculo judaico, pois eram “pecadores” por definição (Gl 2.15b; cf. Rm 1.18-32).
Você consegue identificar, hoje, expressões religiosas que mantêm como seu objetivo principal a guarda de práticas, ritos e costumes religiosos?
Em nome do “orgulho” pela própria condição religiosa, que tipos de comportamentos discriminatórios presenciamos na vida eclesiástica, hoje?
De onde procede o conceito paulino de justificação?
Paulo foi buscar no universo forense o conceito de justificação. Esse termo “denota um ato judicial de administrar a lei – neste caso, ao proferir um veredicto de absolvição, excluindo, assim, toda a possibilidade de condenação” . Nessa ordem de pensamento, ficam estabelecidos os seguintes papéis:
1) Deus é o único juiz (Jr 11.20; Tg 4.12). Ninguém deixará de prestar contas a Deus, no grande dia do juízo (At 17.31a; Rm 14.10-12).
2) No banco dos réus está o homem. Criado por Deus reto e moralmente bom (Ec 7.29; Gn 1.31), por ter pecado, caiu do estado de justiça para um estado de iniquidade (Rm 5.12);
3) Cristo é o defensor apontado por Deus (1Jo 2.1). Suas ações estabelecem o padrão de justiça pelo qual o juízo se dará (1Jo 2.2; At 17.31b; Rm 2.5,16).
De acordo com esse sentido jurídico, a justificação é um ato declarativo. Nele, Deus absolve o pecador. Em consequência desse ato, o pecador tem a pena capital pelo pecado suspensa (At 13.38) e o favor divino restaurado (Rm 5.21).
É possível identificar os efeitos da absolvição do pecador por Deus?
O homem, o pecado e impossibilidade de autojustificação
Caso verídico: Certa vez, numa fila bancária, uma mulher resolveu iniciar uma conversa comigo sobre as razões que a levavam a não participar de uma igreja. Críticas a denominações “a”, “b” e “c” deixavam-me levemente irritado, mas eu ouvia, sem retrucar. Num dado momento, aproveitando a pausa da mulher, para respirar, interrompi: “A senhora identifica bem as falhas humanas geradas pelo pecado no comportamento religioso evangélico” – exclamei, perguntando-lhe, em seguida: “A senhora consegue identificar, também, em sua própria vida, algum pecado?”. A mulher permaneceu calada, pensativa, por algum tempo. Depois, para minha surpresa, ela disse: “Não.”
Essa história encontra as seguintes similaridades com o comportamento legalista da maioria das pessoas, hoje:
● primeiro: Muitos, como essa mulher, não têm a consciência de estarem debaixo da escravidão do pecado (Rm 3.9b; 1Jo 1.8) e, por essa razão, de serem transgressores da lei (1Jo 3.4), condenáveis perante Deus, o justo juiz.
● outra observação interessante: o olhar da mulher voltava-se para a igreja – que não é meio de salvação! – em vez de voltar-se para o Salvador da igreja. Pura transferência: é mais fácil julgar os outros do que olhar para si mesma (Mt 7.1-5).
Nenhuma atitude de autojustificação é aceita por Deus (Rm 3.10-12). “Ir para a igreja tal”, “agir conforme a igreja tal determina”, “pagar” o preço da justificação por meio de ofertas e sacrifícios, em muitos casos, são apenas tentativas desesperadas e insuficientes para resolver o problema do pecado.
Usando a linguagem figurada, poderíamos dizer que a autojustificação é o mesmo que tratar uma ferida com um curativo infeccionado? Por quê?
Deus, a graça e a realidade da justificação
No plano da justificação do pecador, graça e fé têm papel preponderante.
O pecado e sua consequência – a morte – projetam uma realidade sombria para a humanidade. É a sombra do juízo divino. Para evitar esse destino trágico, Deus escolheu, por sua livre graça, redimir os pecados dos homens e declará-los retos – inocentes, justificados. Baseou sua sentença no ato redentor de Jesus. Pela cruz, a graça manifestou-se sobre todos os homens para a justificação que dá vida (Rm 5.18).
O fator fé representa a única possibilidade real de enfrentar e vencer o pecado interior. Para tanto, devem ser observadas duas situações:
1) A fé não é a base da justificação, mas sua condição (Gl 2.16). Se fosse a base, a fé seria algo meritório, apenas um ato de soberba (Hc 2.4) . Uma bela imagem desse gesto de fé é o estender as mãos vazias para serem preenchidas pela dádiva divina.
2) A fé também não é o preço da justificação, mas o meio de nos aproximarmos dela (Rm 3.22).
Assim, na analogia com o discurso de Luther King, a justificação é uma forma de religião, na qual Deus é o emissor de um “cheque” com fundos infinitos. O capital dessa transação é o sangue de Cristo, derramado na cruz (Ap 22.14). A fé representa o gesto de compensar a ordem de pagamento.
A reprodução da tendência legalista, dentro das comunidades cristãs, imprime nos crentes um grande temor em relação à salvação. Que resposta a doutrina da justificação oferece aos receosos?
Conselhos úteis:
A vida de Paulo é um exemplo vivo de como a misericórdia e a graça de Deus podem transformar um homem (Gl 1.15b). Para ele, “estar crucificado com Cristo” (Gl 2.20; 6.14) era suficiente para apaziguar a dor e o sentimento de culpa causados pelo pecado. Sua confiança na eficácia da obra de Cristo abriu-lhe as portas para um mundo novo, de adoração e serviço.
Perguntemo-nos: “O velho homem está crucificado em nossa vida? Nosso testemunho é um estandarte da fé em Cristo? Amamos na mesma proporção que o Filho de Deus, até à renúncia própria?”
Bem, nunca é tarde para começar. Afinal, o sonho de justiça e liberdade de Martin Luther King Jr. é real para nós, os salvos por Cristo. Fomos libertos do poder do pecado. Somos livres e, nessa condição podemos servir a Deus, com gratidão.
Autor das Lições:
Pr. Davi Freitas de Carvalho, formado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, RJ, é o atual pastor da Igreja Batista em Vila Jaguaribe, Piabetá, Magé, RJ e é o Coordenador de
Educação da Associação Batista Mageense.
Nenhum comentário:
Postar um comentário