Pr. Prof. Lourenço Stelio Rega
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No ambiente batista já tem sido possível observar o crescimento de movimentos que estão buscando polarizar suas convicções. Já é o surgimento de grupos que acionam espírito bélico, acidez no trato de líderes, instituições e convenção, quando algo ocorre de forma diferente à sua opinião atribuindo aos contrários etiquetas pejorativas. Monitoram também atividades de instituições, igrejas e líderes num movimento policialesco e, quando algo não está acontecendo de acordo com seu senso de militância, muitas vezes é ativado o uso de redes sociais para “denunciar” o “herege”, o “liberal”, com juízo de valores, sem antes dialogar, perguntar o que está ocorrendo, bem distante do espírito ensinado pelo Mestre Jesus em Mateus 18.15-17. Em rumo diferente segue promovendo separatismo com acusações sem fim acompanhada pela insuflação de outros militantes contra a instituição, contra o líder e até mesmo contra igrejas e denominação, bem ao estilo da dissenção que Paulo precisou denunciar que havia na igreja de Corinto, assumindo a missão de “separar joio do trigo”. Se não conseguirmos investir tempo para trabalharmos nisso tudo, fico imaginando tempos difíceis e divisões em nosso meio. Aliás nosso Mestre já avisou que nos fins dos tempos até mesmo haveria perseguição entre nós mesmos. Assim, em termos preventivos, entendo ser melhor sinalizar a necessidade de redescobrirmos o que é a essência do modo de ser como batistas, para nos dar suporte de fato às nossas atitudes em relação à defesa da fé. Serão três artigos, este primeiro vai considerar preliminares atitudinais.
Nós pastores temos como principal ferramenta e instrumento o uso da palavra, seja falada, seja escrita. Como entender isso ao ver, especialmente nas redes sociais, insultos, discriminações, tentativa de massacre, segregação, espírito de cruzada medieval e inquisição, atitude persecutória, divisionista? Fico a imaginar que estamos precisando voltar ao “estaleiro” para manutenção a nossos sentimentos, do órgão da fala e dos dedos que teclam.
A um dos calorosos participantes de um debate na internet perguntei sobre qual critério ou temas são indicativos de que devemos excluir ou segregar alguém? O que é inegociável e por quê? Até hoje não recebi resposta.
Já nos destruímos muito no passado tentando estabelecer nossa identidade batista pela uniformidade. O princípio da “competência da alma” nos leva naturalmente a viver em unidade dentro do território da diversidade, isto faz parte do modo batista de ser e pensar.
Necessitamos estabelecer critérios sobre o que pode afetar a nossa convivência num grupo, senão vamos constantemente estar em ponto de tensão e divisão se nossa opinião ou interpretação não for aceita. Não é esse estilo de vida que Cristo desejou à sua igreja.
Há assuntos que posso até discordar na denominação, na Convenção, na Ordem de Pastores e outras organizações, mas tenho diante de mim o desafio: ser sal e luz; ser pacificador, usar palavras agradáveis temperadas com sal (A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para saberdes como deveis responder a cada um - Colossenses 4.6).
Em passado recente, diante de uma decisão da Ordem de Pastores, foi criada por um pastor uma hashtag no Facebook com o título "A OPBB não me representa" onde vi jovens pastores destilando ódio e palavras nada temperadas contra a Ordem e seus líderes. Para mim isso passou como se fossem atitudes de subproduto da Pós-Modernidade em que o mundo é plano e o respeito à autoridade externa desaparece por completo e se alguma instituição não toma decisões conforme eu penso, deve ser abominada e atacada sem piedade, e, me parece, que hoje isso está se mostrando de novo. Existe fórum próprio para que suas opiniões possam ser ouvidas, onde você pode defender suas ideias, não numa hashtag num aplicativo da Internet, protegido por um teclado ou por uma tela de celular. O diálogo maduro deve ser face-a-face. Isso é ser batista.
Mais uma pergunta: qual a diferença que há entre o divórcio matrimonial e o divórcio contra o povo de Deus que tem sido estimulado por todos os que se dizem defensores zelosos e ardorosos da Bíblia?
E, ainda mais, Paulo nos ensina que ao servo do Senhor não convém contender, mas sim ser brando para com todos, apto para ensinar, paciente; corrigindo com mansidão os que resistem, na esperança de que Deus lhes conceda o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, e que se desprendam dos laços do Diabo (por quem haviam sido presos), para cumprirem a vontade de Deus ... (2 Timóteo 2.24-26).
Isto é uma obra que nunca acaba, pois sempre há os que resistem. “Com mansidão”, pois este foi o sentimento de Deus ao providenciar a nossa recuperação após a queda do Éden. Deus tinha o direito de destruir tudo, mas ele mandou o seu filho para nos resgatar, por amor. Eis aí nosso papel.
Retomando o modo batista de ser e pensar em que existe um princípio herdado da Reforma Protestante que chamamos de “competência da alma” (veja a obra "Axiomas da Religião" do teólogo batista, Dr. Edgar Y. Mullins, que chama este princípio de “axioma” batista) que indica que todos, como crentes, temos acesso aberto e livre a Deus e à sua Palavra. É um princípio de elevada responsabilidade do crente diante de Deus, sua igreja e do mundo. Isto está ligado ao conceito do “sacerdócio universal dos santos” que, nós batistas, em essência, levamos muito a sério em nossa história. Sabemos que batistas já sofreram por isso.
Esse princípio nos traz muita responsabilidade, pois nos leva ao percurso do sério trabalho interpretativo da Palavra de Deus, nossa fonte de verdade na fé e na prática (veja o próximo artigo). Fazendo análise nas variadas declarações doutrinárias dos batistas em sua história, a colocação da Bíblia como ponto de partida é notória, passa ela, então, a ser nosso ponto de referência.
Além disso, esse princípio nos conduz em direção à avenida do diálogo, ao caminho de aprendermos juntos, a entender que, mesmo depois de estudar a Bíblia e chegarmos às nossas conclusões, ainda temos pela frente o percurso do diálogo germinador de nossa convivência como santos. Isso me leva a concluir que no modo de ser e pensar como batistas não há como acolher fundamentalismos, nem liberalismos.
Este porque não parte da Bíblia como fonte de verdade, então não tem como haver diálogo. Aquele porque geralmente se recusa ao diálogo, transformando interpretações na própria Bíblia. Me parece que são extremos e os extremos num círculo se tocam, então, no fundo, não seriam a mesma coisa?
O próprio Paulo, rigoroso em tudo, nos ensina em Romanos 8.9, que devemos estar em Cristo, quem não tem o Espírito de Cristo não está nele. Por isso volto à questão, quais critérios ou temas devem colocar o “radar” do separatismo em alerta, se estamos, como salvos, em Cristo?
Ainda mais, em Efésios 4 (vs 1ss) temos o ensino sobre a unidade: “... andeis como é digno da vocação com que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com paciência, suportando-vos uns aos outros em amor procurando diligentemente preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz. Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos.”
O texto fala em humildade, mansidão, paciência, suportar uns aos outros em amor e, ainda mais, procurar preservar a unidade do Espírito no caminho de buscar uma só fé. Um ensino uniforme em praticamente todos os comentaristas é que nosso papel não é criar a unidade do Espírito, ela já está criada por ele, mas em preservar diligentemente esta unidade e no vínculo da paz. Estou aqui lembrando do grande ministério internacional dos “peacemakers” (“fazedores da paz”).
Tem sido esse o espírito que estamos lendo, vendo e ouvindo em muitas destas últimas manifestações? Nas redes sociais? Não tenho dúvidas que a falsa doutrina é pecado, mas também não tenho dúvidas de que o trato de pessoas e instituições, que pensam diferente, do jeito em que estão sendo tratadas é igualmente pecado. Não há diferença para Deus sobre pecado. Não contribuir para a preservação da unidade do Espírito, deixar de ensinar com mansidão os que resistem pensando de modo diferente, deixar de ser “fazedor da paz”, é pecado também. Toda vez que alguém vai para a
Internet ou publicamente agindo deste modo está agindo não pelo Espírito, mas pela carne. O zelo é necessário, mas pode se tornar pecaminoso. Precisamos pedir sabedoria a Deus para esta identificação (Tiago 1.5).
Peço desculpas por citar tantos textos bíblicos, mas parece-me que neste momento está faltando Bíblia para nos reeducar em nossas atitudes e no controle de nossos teclados e funções hepáticas. Então, o que você pode dizer depois do ensino de Tiago a seguir? “Quem dentre vós é sábio e entendido? Mostre pelo seu bom procedimento as suas obras em mansidão de sabedoria. Mas, se tendes amargo ciúme e sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade. Essa não é a sabedoria que vem do alto, mas é terrena, animal e diabólica. Porque onde há ciúme e sentimento faccioso, aí há confusão e toda obra má. Mas a sabedoria que vem do alto é, primeiramente, pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade, e sem hipocrisia. Ora, o fruto da justiça semeia-se em paz para aqueles que promovem a paz.” (Tiago 3.13ss)
O que dizer diante de todo este ensino bíblico? É necessário ser bíblico na doutrina e, muito mais, no comportamento e no relacionamento. Necessitamos destes dois - doutrina e comportamento/atitude. E, como em uma viagem de trem com dois trilhos, onde um para a viagem para. Discordar é possível em busca da sã doutrina, respeitar e tratar com dignidade é imperativo. Fica aqui o meu desafio para o contínuo diálogo, para a paciência, para a prática da paz, para a preservação de nosso unidade e para a busca de palavras temperadas.
Até os próximos artigos.
* Pr. Prof. Lourenço Stelio Rega é Diretor da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
** Este artigo foi publicado em primeira mão n'O Jornal Batista, edição de 13.10.19, página 15.
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