terça-feira, 5 de junho de 2018

Pr. Novaes e a Pena de Morte: "...vamos deixar sistemas jurídicos falíveis e juízes suscetíveis a preconceitos, subornos e decisões injustas, responsáveis por definir quem vive e quem morre?".

Pr. Carlos César Peff Novaes
O assunto "Pena de Morte" alterna presença e ausência na mente do brasileiro de acordo com o contexto de violência, sobretudo quando se noticia crimes bárbaros que são praticados com requintes de crueldade.

Tem o homem poder para decidir sobre o destino final do semelhante? A população brasileira está preparada para agir com justiça contra os que praticam crimes bárbaros? A pena de morte soluciona o problema da violência? Perguntas como estas são respondidas pelo Teólogo Carlos César Peff Novaes. Ele é pastor da Igreja Batista Barão de Taquara, professor do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil e Mestre em Teologia.

Tem surgido com certa força no Brasil um apelo para a aplicação da pena de morte. A que se deve isso?
Atribuo os apelos populares — mais de 40% de entrevistas — em favor da pena de morte à atual condição de insegurança diante do evidente despreparo e da notória incapacidade dos governantes para combater a violência e o crime organizado. Há um ambiente cinzento de total desconfiança, decepção, frustração e desalento em relação aos políticos. Não se vê horizonte de solução a curto prazo — e brasileiros não gostam de solução a longo prazo, como é o caso dessa questão da violência, que só será resolvida com amplas e antecipadas medidas de prevenção, especialmente, na área da educação. Quando não há esperança, ficamos agarrados ao que parece ser a solução mais imediata e fácil.
Além disso, há outro elemento que não pode ser desprezado: a atual sensação de impunidade — que dá a impressão à sociedade de que o crime compensa. Cansados de um sistema que facilita a impunidade, inclusive estimulando o envolvimento com o crime, costumamos buscar instrumentos de punição definitiva na expectativa de que tal punição sirva de exemplo e intimide novas ações criminosas.

Aplicação da pena de morte e redução da criminalidade. Há relação entre elas?
Faltam dados para confirmar qualquer relação entre elas. Duas pesquisas feitas nos Estados Unidos, há dois anos, podem ser usadas aqui para efeito comparativo. A primeira, da Universidade de Northwestern, em Chicago (confira em scholarlycommons.law.northwestern.edu/jclc/vol74/iss3/), concluiu que para 88,2% dos pesquisadores a execução penal não tem nenhum impacto sobre os índices de criminalidade. Na segunda, da Universidade de Houston, os economistas Dale Cloninger e Robert Marchesine calcularam que cada execução no estado do Texas evitou de 11 a 18 crimes (conferir em http://tora.us.fm/tm/onj_mwt/mxqr_hrtaa_2.html).
Podemos dizer que há aqui um tipo de empate técnico entre os pesquisadores. Razão pela qual devemos ser muito cautelosos com essas conclusões.

Um argumento usado pelos defensores da pena de morte é que Deus mandou matar. Faz sentido o cristianismo defender a pena capital para criminosos?
Está lá no Antigo Testamento, não é? A Lei Mosaica ordenava a pena de morte. Está muito claro isso. Quem devia ser executado? Aquele que planejasse e executasse um homicídio (Êxodo 21.12,14, repetido em Levítico 24.17 e Números 35.16). Quem mais? Quem desonrasse os pais, por palavras ou gestos agressivos (Êxodo 21.15,17), ou por simples ato de desobediência (caso, por exemplo, se embriagasse contra a vontade dos pais, como descrito em Deuteronômio 21.18-21), quem adulterasse (Levítico 20.10-21, como já ia acontecendo em João 8 se Jesus não se manifestasse a favor do perdão da adúltera), quem se envolvesse em magia ou feitiçaria (Êxodo 22.18), quem prestasse adoração a falsos deuses (Êxodo 22.20), quem proclamasse falsas profecias (Deuteronômio 13.5) e por várias outras razões que o espaço dessa entrevista nos impede de enumerar. Então, a Lei Mosaica mandava matar assassinos, desobedientes a pais, adúlteros, supersticiosos, idólatras e pregadores manipuladores. Já imaginou se fôssemos levar essa lei a sério? Se usamos o Antigo Testamento para defender a pena de morte, precisamos obedecê-lo também no que se refere a todos os destinatários dessa lei.
Só que não lemos mais o Antigo Testamento a partir do próprio Antigo Testamento. Agora, depois do evento Cristo, a nossa leitura do Antigo Testamento é feita a partir do evangelho, a partir dos princípios do Novo Testamento. E no evangelho, nos princípios do Novo Testamento, a coisa muda totalmente de figura.
Enquanto a pena de morte no Antigo Testamento serve para nos mostrar que, diante de Deus, não há pecadores impunes (todos merecemos a pena de morte), no evangelho proclamado pelo Novo Testamento a coisa segue outro rumo. Em vez da morte que todos merecemos, o Senhor estende sua graça e misericórdia.

Para os mais exaltados na defesa da pena de morte, quem é contra o faz por nunca ter sofrido uma ação violenta de criminosos. É por aí mesmo?
Isso tem mais a ver com vingança. A ideia da vingança, ou de fazer com que o outro pague exatamente na mesma proporção do mal que causou, é outra coisa que não se harmoniza com a essência do evangelho. O Sermão do Monte — onde fica bem clara a contraposição de Jesus ao espírito punitivo da Lei, quando assumiu o lugar do profeta que seria maior que Moisés (este é o objetivo do registro que Mateus faz do Sermão do Monte, com todas as suas características literárias). Jesus repetiu algumas vezes no decorrer dessa passagem bíblica singular: “Vocês ouviram assim, mas eu na verdade digo o seguinte...”

Argumento usado pelos contrários à aplicação da severa pena é que apenas pobres e negros sofrerão. Seria uma forma oficial de limpeza social?
A questão por trás disso é a seguinte: vamos deixar sistemas jurídicos falíveis e juízes suscetíveis a preconceitos, subornos e decisões injustas, responsáveis por definir quem vive e quem morre?
É isso que devemos nos perguntar. Muito especialmente a partir do que temos assistido  em nosso país quanto à dubiedade, às dissimulações e contradições de alguns juízes brasileiros em suas sentenças.
Se você quiser escolher um livro para passar o tempo, lendo uma dessas histórias criativas e empolgantes, sugiro The Green Male (de Stephen King), que no Brasil foi publicado com o incompatível título de À espera de um milagre. Se achar que as imagens do cinema são melhores que as páginas de leitura, assista o filme com Tom Hanks, que tem o mesmo título. É bom para ver como acontecem essas coisas por trás dos sistemas jurídicos.

Como solucionar o problema da criminalidade que tem assombrado a população brasileira?
O crime se organizou em etapas, num processo, aos poucos. Os governantes deixaram que isso acontecesse. E até alguns se beneficiaram disso. Agora está claro que não se resolve em poucos anos o que se estruturou durante décadas.
Mas a questão é ainda maior que isso. Envolve um lento e contínuo processo de prevenção que só ocorre por meio da formação educacional e do caráter, da estruturação de oportunidades, do fortalecimento econômico da sociedade e de um sistema punitivo justo — que não precisa usar a morte como pena, mas pode lançar mão de outros meios de punição vigorosos. Para tanto, precisamos de presídios que sejam corretivos por um lado e produtivos por outro. Presidiários podem cumprir penas produzindo para a sociedade. Hoje os nossos presídios são apenas pós-graduação de criminosos.
Mas o assunto é complexo e não acho que soluções aparentemente fáceis, como a adoção da pena de morte, ou qualquer outra que eu venha a mencionar aqui, sejam de aplicação simples. É fácil teorizar. Amarrar o guizo no pescoço do gato é que é o problema.
Aqui me lembro das palavras do Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas, do Guimarães Rosa: “Uma coisa é por ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil e tantas misérias, tanta gente, e nenhum se sossega.”
Devemos nos lembrar — e tomar cuidado com os que prometem caminhos menos trabalhosos — que as soluções não estão nos fatos, nem nas ideologias imediatistas, mas nos processos. Nos lentos processos de mudança.

Caso o Brasil adotasse a pena de morte e você pudesse enviar alguns para a execução, quem você enviaria?
À pena de morte, ninguém. Não sou favorável a esse tipo de punição, pelos motivos que já expus acima. Mas a uma contundente punição, em termos da privação da liberdade, e à ininterrupta prestação de serviços à sociedade, eu enviaria especialmente os criminosos que causam a morte.
Aliás, se pensarmos bem, o Brasil já tem pena de morte. Pessoas são condenadas à morte aqui todos os dias. Quando não recebem o medicamento necessário, quando não conseguem marcação de consultas, quando não têm acesso ao único tratamento terapêutico, quando são deixadas à margem sem a mínima condição de sobrevida, quando crianças já nascem destinadas à subnutrição, quando idosos são esquecidos à míngua, quando policiais ficam sem recursos e sem salário para exercerem sua função de garantir a segurança pública, quando tudo isso e outras coisas mais acontecem porque os governantes desviam dinheiro público. É essa a pena de morte que está estabelecida no país hoje. A principal crueldade da corrupção não é de onde o dinheiro foi retirado, mas para onde ele deixou de ir. Cada governante corrupto está matando quando desvia recursos para interesses privados e pessoais. Sim, já há pena de morte no Brasil e não precisamos de mais injustiças nesse sentido.

A partir de amanhã, aqui no Blog, a opinião de vários líderes religiosos sobre o assunto. Acesse e se informe!

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